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3.2021 | Estabelecimentos de Diversão Noturna – novas realidades – 5


De volta a Viseu, damos sequência à publicação (em vídeo e texto) de um conjunto de conversas com responsáveis de estabelecimentos de diversão noturna de concelhos da área de atuação do projeto NSCCP em que, no âmbito do subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, contactámos responsáveis por estes espaços procurando obter as suas respostas e opiniões sobre, muito em particular:

– Quais as qualidades da noite da cidade onde operam Antes da pandemia Covid? E quais os problemas mais importantes aí sentidos?

– Em que medida a pandemia Covid afetou e afeta a atividade dos estabelecimentos? Quais as perspetivas para o futuro?

– Que medidas gostariam que fossem tomadas para, numa fase posterior à pandemia Covid, melhorar as condições da vida recreativa noturna da sua cidade?

Coube desta vez conversar com Carlos Olavo Sousa, em representação do espaço Ice Club, pertencente a um dos grupos económicos com larga representação nos espaços de diversão noturna na região centro, tendo Paulo Anjos, da equipa técnica do projeto NSCCP e responsável pelo subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, sido o seu interlocutor.

Leia abaixo a transcrição da entrevista ou assista aqui.

Paulo Anjos – Não sei que quer falar um bocadinho sobre eles [espaços de diversão], o que desenvolvem, o que fazem…

Olavo Sousa – Boa tarde, o meu nome é Olavo Sousa, eu sou gerente do grupo Noite Biba, que explora três estabelecimentos noturnos em Viseu, em Coimbra e na Figueira [da Foz]. Basicamente somos discotecas – vulgo discotecas, porque isso não existe na terminologia e neste momento específico em que estamos a falar estão os estabelecimentos todos encerrados há nove meses. Estamos numa fase também de aprendizagem, a ver como isto evolui para sabermos como vamos adaptar-nos também.

PA – Antes da pandemia, na sua opinião, quais eram as qualidades da noite de Viseu – eu não conheço bem a noite de Viseu…

OS – Eu acho que a principal qualidade da noite de Viseu – enquanto consumidor – para os consumidores é a segurança. É uma noite bastante segura, é muito raro haver qualquer tipo de incidente na noite de Viseu. Acho que tem uma oferta abrangente, bastante alargada tanto em termos musicais como em termos de qualidade dos espaços, não só dos meus estabelecimentos como dos outros que existem – é evidente que estou a falar na noite em geral. Acho que é uma noite atrativa para quem nos visita, para além dos próprios residentes, também contém as mesmas características. Basicamente tem casas para todos os gostos e feitos e eu acho que isso é que é de enaltecer, que é a variedade que nós conseguimos oferecer ao público em geral.

PA – E relativamente às outras cidades onde estão, onde têm também estabelecimentos, consegue ter alguma perspetiva?

OS – Coimbra e Figueira são cidades mais sazonais: Coimbra quando tem os estudantes é uma cidade que tem uma noite muito forte e quando os estudantes saem, no período de verão, é uma cidade que em termos de noite que cai muito, não é? Tanto que nós acabamos por encerrar no período de verão. A Figueira da Foz, em contraciclo a Coimbra, é boa no verão e durante o inverno é uma cidade muito mais calma, porque a cidade da Figueira é mais pequena, tem menos população e daí o inverno é o nosso calcanhar de Aquiles na Figueira da Foz. O que eu acho é que Coimbra, neste caso, contrariamente ao regulamento que a Câmara Municipal impôs – ela impõe mas não faz cumprir – o que quer dizer que as pessoas na noite de Coimbra não têm uma noite tão segura como têm em Viseu, porque os espaços são todos abertos sem cumprirem as normas de segurança que o Governo determina para os estabelecimentos com pista de dança e, portanto, como todos os bares hoje em dia em Coimbra são discotecas os clientes não têm a segurança que deviam ter e que têm os estabelecimentos com pista de dança porque a legislação assim o obriga. Portanto, é uma noite muito mais problemática e que, para mim, pessoalmente, acho que lhe falta qualidade.

PA – E em que sentido?

OS – No sentido de que as casas não são rentáveis o suficiente para poderem oferecer essa qualidade aos seus clientes, tanto em termos de artistas, como em termos de segurança, como em termos de qualidade dos produtos que oferecem aos clientes. Os clientes bebem barato mas muitas vezes não sabem o que é que estão a beber. Isso em termos de saúde pública pode ser problemático. Aí acho que devia haver obrigação de cumprir o que o regulamento de horário da Câmara de Coimbra diz, mas parece-me que eles são os primeiros a não querer que isso se faça. E aí torna-se difícil de sustentar uma casa com pista de dança em Coimbra porque ter concorrência que paga muito menos impostos e que não cumpre as normas que deveria cumprir para funcionar no formato em que funciona limita isso.

PA – Sim, Coimbra tem algumas características específicas que tornam as coisas bastante complicadas. De qualquer forma, para além dessas vicissitudes de Coimbra, digamos assim, consegue apontar alguns defeitos que existam na noite de Viseu, ou na noite da Figueira da Foz e também de Coimbra mais alguns.

OS – A noite da zona centro, o único defeito que ela poderá ter poderá ser em termos da abrangência da oferta em termos culturais, porque é uma noite que não é rentável o suficiente para os preços que se praticam trazer alguns artistas que poderiam vir caso a noite fosse um bocadinho mais rentável. Hoje em dias os artistas são todos demasiados caros e portanto para termos uma oferta musical muito diferenciada e para termos se calhar uma abrangência para um público mais específico teriam que estar disponíveis para pagar, e como não estão não o conseguem ter. Esse, no meu ver, acho que é a única coisa, o único defeito que lhe imputo, porque de resto acho que oferecemos tudo o que oferecem as grandes cidades.

PA – Relativamente aos artistas, está a falar de artistas, DJ's, …

OS – Tudo, desde DJ's, de músicos, toda essa panóplia, que são muito bem pagos. Com o número de clientes que nós metemos aos preços que nós praticamos é impossível trazê-los. E mesmo assim temos feito um grande esforço para trazer muitos deles, só que o que nós notamos é que são noites em que dá para elevar a notoriedade da casa mas não são noites que sejam rentáveis, ou seja, valia mais não os produzir, tinha mais rentabilidade numa normal do que trazê-los…

PA – De certa forma é uma ação de marketing

OS – É mais uma ação de marketing e de notoriedade, só.

PA – Indo a esta parte chata, como estávamos há pouco a dizer, que é esta do Covid, em que medida é que esta pandemia, esta doença afetou atividade? Imagino que agora neste momento estejam fechados, mas antes de estarem fechados em que medida é que afetou, como é que se organizaram para continuar…

OS – Quer dizer, nós encerrámos os estabelecimentos todos ainda antes do Governo nos obrigar a tal. Tivemos consciência de que no formato em que nós funcionamos, com pista de dança, pessoas a dançar próximas umas das outras podíamos ser um foco de contágio, preferimos não o fazer. O Governo depois permitiu-nos abrir num formato diferente, formato esse que só meia dúzia de casas em Portugal é que tiveram capacidade para o fazer, ou porque no verão tinham muito espaço ao ar livre, ou porque as casas têm dimensão suficiente para meter muita gente, mesmo num formato de pessoas sentadas, só aí é que poderá justificar. De resto acho que 95% dos estabelecimentos deste género em Portugal continuam encerrados há 9 meses. Se calhar muitos deles já não vão abrir portas, não é? Provavelmente não, porque sem ajudas governamentais é difícil sustentar isto muito tempo. Quem se conseguir aguentar… tudo depende como a sociedade depois interpretar os medos, depois de esta pandemia estar, entre aspas, controlada. Se continuaram os medos durante muito tempo e as pessoas não visitarem as casas vai ser quase impossível sustentar qualquer alguma delas. Se as pessoas tiverem aquela de sede de liberdade e de retomar um bocadinho da vida que tinham aí acho que as casas podem recuperar e continuar a dar o mesmo tipo de serviço que davam antes.

PA – Considera que poderá haver mudanças, ou seja, as pessoas para além desse receio da convivência social normal, digamos assim, que pode advir…

OS – … mudança de hábitos…

PA – Sim, eu estava a perguntar nesse sentido da mudança de hábitos. Mudar o horário por exemplo da noite, coisas assim desse género.

OS – Mudar o horário da noite… se na noite for reduzido o horário para todos eu não acho mal. Se em vez de fechar às 6 da manhã ter que fechar às 4, desde que os bares fechem à 1 ou às 2 não acho mal. Portanto, a redução é geral. Não nos podemos esquecer que nós para funcionarmos temos de ter sempre um horário superior ao dos bares, no mínimo dos mínimos 2 horas, porque até que as pessoas saiam do bar… Um bar fecha. Desde que saia, chegue à discoteca, quando lá chega praticamente a discoteca está fechada. Quando pensa em ir muitas vezes já pensa: vou lá fazer o quê? Nós temos um hábito muito português que é ficar nos espaços até eles fecharem e isso para nós é a grande falha em termos de noite para nós. É que os bares têm um horário muito próximo dos nossos e, portanto, isso impede muitas vezes os clientes de nos visitarem. Se a redução for uma redução para todos mas que nos possibilite estar ali 3 horas a mais do que os bares, por exemplo, aí acho que a sustentabilidade está assegurada.

PA – Garantir o período de faturação…

OS – Um outro problema é a mudança de hábitos dos clientes. Vai ser um ano e pouco – a correr tudo normalmente – em que não nos vão visitar, vão-se esquecer um bocadinho do que é ir a uma discoteca, e aí eles podem… Houve muitas festas privadas, continua a haver muitas festas privadas, continua a haver muitos ajuntamentos em casa e pode haver a tendências das pessoas continuarem nesse registo. Esperemos que não seja significativa. Se for, penso que aí o Governo em termos de legislação, tanto do álcool, na via pública como com outras medidas poderá controlar um bocadinho isso.

PA – Isso leva-me a uma questão que tem sido abordada por alguns colegas seus na cidade de Coimbra no caso, que é o consumo de álcool – eu não sei se em Viseu existe isto, de alguma forma visível – que é o consumo de álcool na rua, o chamado bottélon. Se existe e qual é a sua opinião?

OS – Existe, existiu e está a existir durante a pandemia com circuitos bem definidos que a própria Polícia de Segurança Pública conhece. Eles juntam-se todos num sítio, levam as bebidas que foram comprar ou supermercado ou que tiraram em casa aos pais, qualquer coisa do género. Encontram-se, bebem, convivem sem qualquer tipo de distanciamento social, a polícia vai e dispersa. Eles vão-se reunir noutro local. A polícia também já o conhece… chega lá dispersa. Isto parece o jogo do gato e do rato. E isto tem acontecido e aconteceu desde que saímos do período de isolamento de abril. Naqueles 2 meses encerrados, fechados em casa, isso não aconteceu tanto. A partir daí foi sempre. O Estado privilegiou permitir isso do que obrigar as pessoas a ir para sítios onde tinham a sua própria segurança e eram muito mais controláveis.

PA – Em Coimbra – vou falar da experiência de Coimbra – muitos dos jovens reúnem-se em casas, em casa de estudantes, há festas com muita gente e tem havido até notícias sobre isso e provavelmente seria mais seguro estar com as pessoas num espaço de recreação noturna, é isso que me está a querer dizer?

OS – Num espaço de recreação noturna, num formato discoteca eu penso que não seria possível nesta fase, mas penso que há espaços – um café, um bar, o próprio espaço onde nós estamos a conversar desde que reformulámos o conceito oferece todas as condições – para que as pessoas se divirtam em segurança, a cumprir o distanciamento, a cumprir a etiqueta respiratória, a cumprir a higiene pessoal. E portanto aí acho que é menos perigoso. O Estado quanto a isso também já tomou uma resolução de proibir nesta fase o álcool na via pública, o consumo de álcool na via pública, e penso que isso é um caminho. Tardio, pecou por tardio, se calhar não quiseram que o turismo fosse muito afetado nos meses de verão mas se calhar, hoje em dia, o confinamento com que estamos hoje em dia se calhar é bocado consequência do laxismo que houve naquele período. Para nós, enquanto estabelecimento comercial com pista de dança não nos afetou nem deixou de afetar porque estávamos encerrados. Agora em termos de saúde pública afetou muito. Acho que aí o Estado devia ter tido uma mão mais firme e não teve.

PA – E no futuro considera que o bottélon devia ser proibido mesmo?

OS – Considero, considero porque acho que não faz qualquer sentido. Permitirem o bottélon impede que os estabelecimentos possam oferecer alguns conceitos aos clientes e alguma segurança aos clientes não tenham capacidade, não tenham viabilidade económica para existir. De inverno se calhar não será tão atrativo o bottélon, com o frio, com a chuva, mas eles arranjam sempre sítio de encontrar algum espaço fechado onde se reunirem, onde se encontrarem, fazerem as suas brincadeiras. É assim, também estamos a falar que a noite não é só para a juventude de 16, 17, 18 anos, mas acima de tudo o bottélon acho que em termos de saúde pública é um mau conceito porque geralmente quem faz isso é a população numa idade muito mais jovem, em que o consumo excessivo de álcool tem efeitos nefastos. Não controlam a população abaixo dos 18 anos, se estão a consumir álcool ou não, nós aqui temos obrigação de controlar, nós não podemos vender álcool a menores de 18, temos forma de o controlar. De outra forma não há! Portanto eu acho que a nossa juventude, principalmente a juventude numa faixa etária mais baixa, se calhar para eles em termos emocionais devia ser tão bom, mas se calhar em termos futuros, em termos da saúde pública, em termos da saúde deles seria bom que o Governo tomasse medidas de proibir o bottélon. Aliás à semelhança do que está a acontecer noutros países.

PA – Sim, Espanha teve um problema grave com isso mas tem vindo…

OS – … paulatinamente…

PA – … a proibir. E relativamente ao futuro? Imaginemos que o Covid – esperemos que o mais breve possível – que o Covid passe, surja a vacina e vá-se notando efeitos, como é que perspetiva o futuro do seu grupo económico, dos seus estabelecimentos.

OS – Tudo vai depender da resposta do cliente. Se está interessado em que continuem a existir este tipo de estabelecimentos, se nos vai visitar. Nós tudo faremos para dar a melhor qualidade e melhor segurança para que eles nos possam visitar. Agora há uma coisa que não vai depender de nós, tudo depende das marcas que esta pandemia e este tempo fechados deixou nos hábitos deles e na sociedade em geral, porque não nos podemos esquecer que a juventude tem sempre uma coisa acima deles, que são os pais, e tudo também depende como os pais encaram os filhos saírem para a noite, para um espaço de diversão noturna. Se calhar muitos deles no início vão estar reticentes em deixá-los vir, ter algumas dificuldades no início, mas eu penso que paulatinamente as coisas tenderão a regressar à normalidade. Esperemos que não esteja enganado.

PA – Considera que o Estado tem um papel importante a desempenhar na manutenção destes espaços, para além dos apoios…

OS – Eu acho que o Estado o principal que tem… É assim, nós sempre fomos uma parte da solução, nunca fomos uma parte do problema. Nós fechámos antes, encerrámos antes. Todas as conversas que temos tido, e todos os pedidos que temos feito ao Estado é para que nos ajude a estar fechados. Nós entendemos que não temos condições para abrir neste momento. Mas aí eu acho que o Estado o melhor que pode fazer para nós, além dos apoios financeiros, é depois em termos de regulamentação não ser tão agressivo. Havia uma série de medidas que estavam para ser implementadas, esperemos que eles as deixem na gaveta um pouco mais, que é para não atrofiarem demasiado as finanças destas casas e a rentabilidade destas casas, como por exemplo a questão do controle de lotações. Se vão implementar já o controle de lotações em que as casas passam, imagine, de uma lotação de 1.000 e só vão poder ter 400 ou 500 se calhar no futuro grande parte delas também não vão ter viabilidade económica e não nos podemos esquecer que são casas fundamentais tanto para a saúde mental da nossa juventude como para o turismo. Eu posso-lhe dizer que, se calhar, visitam mais pessoas num fim-de-semana esta casa do que durante 2 ou 3 meses o Teatro Viriato. E se a cultura é importante – que eu considero que é – se calhar este tipo de oferta também tem de existir.

PA – Também é cultura…

OS – Também é cultura e as pessoas também têm direito de se divertir, não pode ser só casa-trabalho, trabalho-casa.

PA – Não sei se tem mais alguma coisa para acrescentar…

OS – Não, acima de tudo o que eu queria é que a população desmistificasse um bocadinho a noite como sendo os bichos maus, os bichos papões, porque nós somos empresários normais, temos as nossas casas, as nossas famílias, temos as preocupações que todos os outros têm. Eu tenho a minha preocupação também como os meus pais e com os meus filhos, de não os contaminar, e portanto eu também não quero um espaço onde sinta que há insegurança, ou que um jovem não tem segurança para ir. Já pós-pandemia, ou pré-pandemia nós temos que lhes oferecer as condições para ele se divertir em segurança, e é isso que nós tentamos. Sabemos que na noite há excessos. Há com certeza! Não são provocados por nós, são provocados se calhar por alguns excessos de álcool que alguns fazem, mas é muito melhor fazê-los dentro destas casas em que há segurança, do que fazê-los na rua ou noutro sítio qualquer sem segurança nenhuma. E, portanto, eu acho que é fundamental que deixemos de ser vistos como a ovelha negra quase da sociedade. Quando se fala em noite parece que somos criminosos e é precisamente o contrário, até acho que somos muito mal-amados.

PA – Da minha parte quero agradecer-lhe imenso.

OS – Eu é que agradeço. Estamos sempre disponíveis para ajudarmos que for preciso e a temática da segurança da noite é tão cara a vocês como a nós e é para isso que cá estamos, para darmos uma noite mas segura.

PA – Muito obrigado.


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