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2.2021 | Estabelecimentos de Diversão Noturna – novas realidades – 4


Regressando à cidade de Coimbra, damos sequência à publicação (em vídeo e texto) de um conjunto de conversas com responsáveis de estabelecimentos de diversão noturna de concelhos da área de atuação do projeto NSCCP em que, no âmbito do subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, contactámos responsáveis por estes espaços procurando obter as suas respostas e opiniões sobre, muito em particular:

– Quais as qualidades da noite da cidade onde operam Antes da pandemia Covid? E quais os problemas mais importantes aí sentidos?

– Em que medida a pandemia Covid afetou e afeta a atividade dos estabelecimentos? Quais as perspetivas para o futuro?

– Que medidas gostariam que fossem tomadas para, numa fase posterior à pandemia Covid, melhorar as condições da vida recreativa noturna da sua cidade?

Coube desta vez conversar com Miguel Lima, em representação do Quebra Bar, bem no centro da zona histórica da cidade de Coimbra, tendo Paulo Anjos, da equipa técnica do projeto NSCCP e responsável pelo subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, como interlocutor.

Leia abaixo a transcrição da entrevista ou assista aqui.


Paulo Anjos – Queres falar aqui um bocadinho do teu bar, da tua Associação, sobre as duas coisas, o que é que fazes?

Miguel Lima – O que é que eu faço… Ora, eu sou empresário desde 1997, este bar já existe há mais tempo, foi aberto em 1984, sempre pautou por ser diferente de todos os outros na cidade, salvo erro acho que é o bar mais antigo da cidade. Pelo menos nos mesmo moldes. Há outros espaços que já mudaram muitas gerências, muitos nomes, mas penso que o Quebra neste momento é aquele que se mantém ativo há mais tempo. Eu peguei neste bar em 1997, depois de uma fase negra aqui do bar e que teve cerca de 2 anos fechado, e desde essa altura que sou sócio-gerente e continuo a tentar, pelo menos, manter uma linha orientadora dentro dos moldes da sua abertura, em que a base do som ambiente é o jazz, embora de vez em quando façamos umas noites em que temos alguns convidados em que vamos buscar outros estilos musicais para além do jazz.

PA – Pegando nesse ponto, organizas aqui o Quebra Jazz, no âmbito de uma Associação.

ML – Em 2012 o principal impulsionador do projeto Quebra Jazz foi aqui o bar, mas com uma lógica tendo em conta determinadas limitações legais para obter apoios e outro tipo de subsídios para a realização de um evento que é completamente gratuito e aberto, ou seja as pessoas vêm e não têm de pagar nada. Foi criada uma Associação em 2017 e desde então é essa Associação que organiza o Quebra Jazz que esperemos, se tudo correr bem, que em 2021 faça a 10.ª edição, apesar de a 9.ª não ter sido nos moldes dos outros anos, com vinte e tais concertos, foi só 1, que marcou de uma forma simbólica o Quebra Jazz 2020.

PA – Por norma o Quebra Jazz é feito aqui nas escadas do Quebra Costas.

ML – É feito em plena escadaria do Quebra Costas. A acústica do espaço é invejável. Todos os músicos a elogiam. E depois é os concertos intimistas, a proximidade do público com os músicos, há aqui uma empatia bipartida entre as duas partes que todos adoram e é por isso que o Quebra Jazz tem sido um sucesso ao longo deste tempo. Começou praticamente como uma brincadeira em 2012, numa altura em que se calhar a crise económica reinava aí por todo o lado. Foi uma forma de tentar puxar mais pessoas para o centro histórico e gradualmente – até costumo brincar aqui por ser uma escadaria – degrau a degrau foi alcançando a notoriedade que tem nos dias de hoje. Penso que toda a gente gosta de vir aqui ver os concertos.

PA – Falando sobre a situação que vivemos hoje em dia e falando sobre a noite de Coimbra também, em tua opinião quais eram as qualidades que a noite de Coimbra tinha antes desta situação do Covid e depois peço para pores os defeitos também.

ML – As qualidades… eu muito honestamente sou muito crítico e qualidades não são muitas nas noites de Coimbra. Posso dizer que nos anos 80 – e espero que não seja um choque de gerações – mas nos anos 80 Coimbra era considerada uma noite fantástica, vinha gente de todos o lado: de Leiria, de Aveiro, para a noite de Coimbra. Haviam espaços diferenciadores: o States, o Scotch, o Etc., havia montes de espaços, bares, que eram bonitos e trabalhavam bem e hoje em dia vejo – sei lá, nos últimos 10, 15 anos – a noite de Coimbra desgarrada, se calhar por haver uma ênfase muito forte nos estudantes. Infelizmente esse mercado caiu, quem trabalha esse mercado preocupa-se mais com os números do que propriamente com a qualidade. E, por outro lado, os estudantes como são muito acríticos, mais como um rebanho, há 2 ou 3 líderes e depois encaminham-se todos para esses espaços que não primam pela qualidade do serviço, pela qualidade do produto que lhes é vendido. Há uma política muito forte de shots que eu acho que é uma estupidez, acho que não dá nenhuma qualidade nem à noite nem, se calhar, aos miúdos que os andam a beber. Hoje em dia – quando era estudante, também já o fui – mas era capaz também de ir a pé para casa mas se calhar passava uma noite na conversa, falava-se, sei lá, de desporto, falava-se de economia, falava-se de política, de mulheres, tantos temas que se falavam e chegávamos ao fim da noite também com os copos, mas havia conversas. Hoje em dia não vejo nada disso nos estudantes, parece que querem ao fim de um quarto de hora já estar bêbado, não sentindo o que é que andam a fazer. É isso que eu acho! Infelizmente a noite de Coimbra perdeu muito com essa política. E faltam espaços diferenciadores. Por exemplo, hoje em dia, salvo erro, em Coimbra penso que só há uma discoteca – quer dizer, não está a funcionar devido às circunstâncias – e tudo o resto fechou pura e simplesmente, e os bares, lá está, há imensos bares novos mas nenhum diferenciador em relação aos outros, é tudo mais do mesmo.

PA – Os jovens têm um apelo muito grande para o consumo, para a embriaguez muito rápida. Alguns espaços fazem políticas de preço muito contrárias ao bem-estar da noite, acho que alguns bares fazem uma política de preços que prejudicam a noite da cidade.

ML – Hoje em dia… quem tenta ter um espaço sem ter essa política de consumos rápidos de bebidas alcoólicas, depois leva por tabela com o facto desses espaços existiram a preços muito mais em conta, mas também temos de ver – às vezes isso também não é visto – é a qualidade daquilo que lhes é servido. Eu sei de muitos espaços que fazem pacotes de shots e estamos a falar de bebidas que se compram a 3, 4 euros, sabe-se lá a qualidade daquilo e dos males que aquilo pode fazer. É evidentemente quando se é estudante não se pensa nada disso, mas acho que é uma coisa que devia ser regulamentada, não sei… eu sei que é difícil.

PA – Alguns países têm um preço mínimo para bebidas alcoólicas, seria uma opção?

ML – Eventualmente! Eu não acredito que em Portugal isso vingasse, porque já sabemos como é que são os latinos, não é? Dão sempre a volta à questão!

PA – Mas que na Escócia há e acho que na Irlanda também.

ML – Acho que é mais um pensamento que é básico, não é fácil, é preciso mentalizar… mudar muita coisa e não só nesse aspeto.

PA – Falando mais de ti, em que medida é que esta pandemia afectou os teus negócios…

ML – Afectou, e de que maneira. Posso dar aqui um cenário que dá logo a ideia de quão grave é a situação neste momento. O mês de Agosto é o melhor mês do ano, e esse mês de Agosto, nos anos normais, permite ganhar algum conforto para depois conseguir face ao Inverno. Este ano posso dizer que o mês de Agosto deu para os gastos. Há 3 factores muito importantes para o Quebra: foi o facto de estar fechado os meses que estivemos, depois durante 2 meses, depois de abrirmos, ainda tivemos a limitação de estar aberto só até às 11 horas – posso dizer depois que em Julho e Agosto muitas das noites entre as 11 e a meia-noite – porque no mês de Agosto foi possível abrir até essa hora – nessa hora, não sei, se calhar facturámos mais do que no resto do dia todo. Ainda por cima o Quebra não é um espaço só noturno; abre às 3 da tarde. Dantes abria ao meio-dia, mas não justifica nesta altura. E o outro factor foi que durante este Verão também não houve a iniciativa de que já falámos, o Quebra Jazz, que dá sempre um dinâmica completamente diferente. Trabalhamos muito mais mas também facturamos muito mais, para poder também depois poder aguentar o Inverno. Este ano com essas coisas todas está muito complicado. Estou a falar de quebras acima de 75% da faturação do ano passado.

PA – Isso é bastante mesmo.

ML – É!

PA – Achas que o Governo devia apoiar de alguma forma?

ML – Eu sei que os bares são sempre vistos como a ovelha negra, porque são os espaços com os consumos “desnecessários”, mas de alguma forma também fazem parte da nossa vida social e acho que todos nós também precisamos de vez em quando beber um copo como deve ser, tal como ir jantar. Tanto os restaurantes como os bares estão em muito maus lençóis. Posso-te dar um exemplo: ontem um espaço, que até é um espaço de sucesso, acho que não teve nem uma refeição durante a tarde. Incrível.

PA – As pessoas estão com medo e não saiem.

ML – Ainda para mais com estas medidas restritivas agora, dá-me a ideia de que as pessoas se calhar até lhes apetece sair mas não têm confiança… de facto não têm confiança. Enquanto não houver uma vacina é difícil. A confiança nunca será a mesma, as pessoas não vão sair da mesma forma como saíam antes, e isto vai ser uma crise duradoura, porque as pessoas durante tanto tempo sem essa vontade – não é vontade, que até têm – sem essa possibilidade de estarem descansadas e saírem, as pessoas vão ganhar outros hábitos. Tenho a impressão que os bares e os restaurantes vão sentir isso durante muito tempo apesar de as pessoas poderem já sair. Ou então ao contrário. Sejamos positivos e que haja de repente um boom e que toda a gente saia para a rua a festejar.

PA – Pode ser que seja assim…

ML – Só espero é chegar a esse ponto! Eu não, o espaço.

PA – Tens alguma ideia de como vai ser o futuro, tens algumas perspectivas?

ML – É difícil. Eu acho que ninguém consegue prever o que é que aí vem, pelo menos no curto prazo. A longo prazo espero que tudo se resolva e voltemos à normalidade, essa nova normalidade. Vamos esperar que seja num espaço curto.

PA – Falando mais sobre a noite de Coimbra, da noite e das atividades recreativas, quando acabar o Covid, que esperamos que seja o mais rápido possível, o que achas que deveria ser feito para melhorar a noite, para tornar a noite de Coimbra mais rica?

ML – Tendo em conta a particularidade da cidade e todas essas coisas de que nós já falámos, se calhar devia ser criar umas zonas específicas para a noite dos estudantes, porque hoje em dia acho que é inconcebível bares – por exemplo nós aqui na zona histórica de Coimbra abertos até tarde. Estamos a falar daquilo que é a zona daqui. Na altura em que a Câmara de Coimbra mudou os horários teve uma grande oportunidade para, de alguma forma, resolver os problemas e não resolveu absolutamente nada e só prejudicou quem no fundo era mais cumpridor e que não trazia grandes problemas à noite de Coimbra. Poderia facilmente, na zona histórica, por os bares durante a semana a fecharem às 2 da manhã. Acho que limitava metade dos problemas do barulho, do elevado número de pessoas na rua, como os estudantes… ou seja, de 2.ª a 5.ª a fechar às 2 da manhã e ao fim-de-semana talvez abertos até às 3 da manhã. Creio que são horários que são praticados até já nalgumas cidades, podiam ser bons exemplos, como em Guimarães, como em Viseu. Porquê? Porque se nos centros históricos especificamente – como é o caso em que eu estou inserido – se nos centros históricos há alguns problemas de ruído, depois é os copos no chão, é sujidade, para não falar de outras coisas ainda mais degradantes, ver a Sé Velha ser urinol, é triste! Tudo isso podia ser limitado se os horários durante a semana – os estudantes é durante a semana que bebem, na verdade. Ao fim-de-semana alargar os horários, já não havia grandes inconvenientes, os moradores não têm trabalho no dia seguinte e pronto, lá está, voltando ao início… uma medida que eu acho que era interessante pensar – é evidente que isto não é fácil, mas é possível, penso que é possível – que era tentar arranjar uma zona onde se pudessem deslocar os bares para os estudantes. Há uma zona que eu acho indicadíssima, que é a Avenida Sá da Bandeira. Era uma forma muito fácil de ser controlável, porque tem uma avenida, um lado e o outro, carros patrulha – os polícias já não fazem patrulhas a pé – podem no seu próprio veículo circular naquele circuito e controlar perfeitamente tudo o que se passa ali. E deixar a zona histórica para espaços mais diferenciadores, que puxem outro tipo de cliente, mais crítico, e se calhar haver um equilíbrio, havia noite para uns num sector, noite para outros… E outra coisa que também se podia fazer, isso também é uma coisa que não consigo perceber porque é que não é feito, isso já se passa há muitos anos, haver desfasamentos de horários. Cada área de negócios, por exemplo os cafés [funcionarem] até determinada hora, mais curta, de modo a que os bares possam também depois ter o seu próprio o seu espaço de trabalho, e depois as discotecas um pouco mais tarde. Porque não entendo como é que os cafés e os bares têm os mesmo horários e alguns bares têm os mesmo horários das discotecas.

PA – Por isso é que não há discotecas em Coimbra?

ML – Provavelmente é um factor dos mais fortes para que isso aconteça. Não há nenhuma discoteca que possa sobreviver se tiver clientes só durante meia hora, uma hora. Isso é perfeitamente lógico. Depois é se calhar mudar os hábitos. Esperemos que agora com esta fase que atravessamos os hábitos também se mudem. As pessoas saiam mais cedo.

PA – Nós em Portugal saíamos bastante tarde, os estudantes às vezes já saem com o “pre-loading” feito em casa.

ML – Sim, já agora vou pegar nessa situação, se calhar para melhorar a noite de Coimbra também é capaz de ser interessante continuar com esta regra de proibir – como já existe em Espanha – o botéllon, não deixar beber na rua isso resolvia muita coisa, principalmente aqui nesta zona. E eu sei que às vezes há aí espaços que até tentam de alguma forma controlar o ruído mas depois de eles fecharem o ruído continua porque estão todos na rua com o botéllon. As escadas da Sé Velha são a prova disso, não nos últimos meses mas no passado, nesta altura do ano, estavam sempre cheias.

PA – Nesta iniciativa [entrevistas] muitas as pessoas se queixam que o botéllon é um fator que cria riscos para os jovens e para a cidade, há ruído, destruição do mobiliário público, etc., e também tem problemas para os estabelecimentos por ser uma concorrência desleal…

ML – Sim, é uma concorrência.

PA – Não sei se queres dizer mais alguma coisa! Se calhar ficamos por aqui. Obrigado!


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