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1.2021 | Estabelecimentos de Diversão Noturna – novas realidades – 2


Damos continuidade à publicação (em vídeo e texto) de um conjunto de conversas com responsáveis de estabelecimentos de diversão noturna de concelhos da área de atuação do projeto NSCCP em que, no âmbito do subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, contactámos responsáveis por estes espaços procurando obter as suas respostas e opiniões sobre, muito em particular:

– Quais as qualidades da noite da cidade onde operam antes da pandemia Covid? E quais os problemas mais importantes aí sentidos?

– Em que medida a pandemia Covid afetou e afeta a atividade dos estabelecimentos? Quais as perspetivas para o futuro?

– Que medidas gostariam que fossem tomadas para, numa fase posterior à pandemia Covid, melhorar as condições da vida recreativa noturna da sua cidade?

Em representação do Café Académico, conversámos com Pedro Serra, continuando a caber a Paulo Anjos, da equipa técnica do projeto NSCCP e responsável pelo subprojeto Capacitação de Profissionais de Estabelecimentos de Diversão Noturna, a orientação desta sessão.

Leia abaixo a transcrição da entrevista ou assista aqui.


Pedro Serra – O meu nome é Pedro Serra, sou gerente aqui do espaço do Café Académico e também de outro espaço na cidade, o espaço CoLAB, lá em baixo na Praça do Comércio. Este é um espaço que está focado e virado para a restauração e bar – é café-bar – e já tem uma longa história. Adquiri-o há 5 anos, o trespasse, e em fevereiro de 2015 abrimos com esta nova gerência.

Paulo Anjos – Queres dizer alguma coisa sobre o espaço, o que é que vocês fazem…

PS – Este é um espaço que vive bastante do convívio, convívio que tem por base ser estudantil. Continua também, depois da minha gerência, para o convívio local e artístico, onde se reúnem aqui várias pessoas de vários tipos e profissões que, ao final do dia e durante a noite, se reúnem para beber um copo, comer um petisco, uma sandes. Basicamente o nosso target em termos de alimentação passa pelas sanduiches e pelos petiscos, e em termos de bar a cervejaria é o mais forte, fizemos uma aposta também na cerveja artesanal.

PA – Agora falando mais sobre a realidade geral. Antes da pandemia Covid, antes destes problemas que todos nós temos, quais eram, na tua opinião, as qualidades da noite de Coimbra, se é que tinha algumas?

PS – Antes da pandemia Covid a noite de Coimbra sempre foi uma noite caricata e complicada. Caricata porque basicamente o pouco que aconteceu de mal, não é, foi muito reduzido, porque é uma cidade com muita vida noturna, uma vida noturna por vezes descontrolada, descontrolada no sentido em que há – não faz muito tempo – havia a isenção de horário, cada espaço escolhia o seu horário, o que fazia com que bares, discotecas, cafés, quase estivessem abertos muito… Depois foi reduzido o horário da zona histórica por causa da legislação que saiu relativa a ruído e a alguns problemas com excessos noturnos. E passou então a ser estipulado o horário das 2 horas para bares, 4 horas para bares com pista dançável, penso seu, não tenho de cabeça. Mas houve um horário modificado e mudou um bocado também esse panorama da noite. Para tentar também ter algum controle. Basicamente houve essa mudança do descontrole total, isto é, cada um faz o que quer, tipo faroeste, para passar a haver um controle de horários e de, digamos, algum controle também de consumos, que foi essa a intenção quase de certeza.

PA – E nos pontos negativos, tens alguma coisa a ressalvar?

PS – Os pontos negativos nesta cidade batem sempre na mesma tecla. Existem dois pontos negativos: o descontrole total e a parte que foi passada para o controle de horários dos espaços mexerem. Porque o grave, os dois pontos graves desta situação e do descontrole caótico da cidade de Coimbra noturna, passa um bocado, primeiro por uma falta de segurança notória, isto é, quando eu digo falta de segurança é que não existe força policial ou força de segurança nas ruas. Estamos a falar de que a época estudantil é o ponto mais caótico neste processo. Não estou a falar da Queima das Fitas estou a falar no ano inteiro, que nas noites – chamadas noites dos estudantes, às terças e às quintas-feiras – cada um faz o que quer, faz o que lhe apetece, e não se passa nada, acaba por seu um bocado isso. E depois junto a esse descontrole total, da falta de segurança, da falta de aproximação, com violência em vez de civismo, da falta de segurança perante o estudante ou perante a desordem, seja ela quem a tome – estou a falar do estudante porque é sempre o foco dos distúrbios noturnos. Estamos a falar também do botellón. O botellón, quanto a mim, é o mais prejudicial para a saúde pública visto que, por exemplo no meu espaço – tenho o espaço aberto há cinco anos, cinco anos e qualquer coisa que já passou metade do ano – e não tenho nenhuma ambulância, nenhum registo de uma ambulância que tenha vindo ao Café Académico para prestar assistência a quem quer que seja. O que acontece é que o botellón é um problema de saúde pública, visto que não há controle de quem serve, isto é de quem está a prestar esse serviço de bebidas sobre quem está a consumir. Normalmente quando acontece passar, extravasar as medidas, a alguém, de algum cliente, nós deixamos de servir, chamamos à atenção e tentamos que a pessoa vá para casa ou que pare o consumo de imediato, visto que se pode tornar perigoso para o cliente. A mesma coisa com o botellón que se passa é que é mau para os negócios. Mau para os negócios que estão abertos ao público porque pagam os seus impostos, pagam as suas taxas pelas esplanadas, estão a tentar fazer o seu negócio e realmente existe um negócio paralelo do botellón que não é só ir comprar ao supermercado, mas às próprias vendas do pessoal que vende no meio da Praça e na Sé Velha, que abre as malas dos carros, é conhecidíssimo, abrir as malas dos carros e toca a vender bebidas mais baratas às pessoas que procuram esse tipo de consumo. E, para além disso, é notório, é conhecido, que se encontra álcool etílico [comprado em Farmácia com grande concentração], fazem as misturas próprias, pronto. Para a saúde pública é notória a quantidade de ambulâncias que vêm à Praça da República durante esse período de folia estudantil.

PA – Mudando um bocadinho de assunto. Em que medida é que a pandemia, no pós confinamento obrigatório, afetou aqui o negócio?

PS – Ora bem, a pandemia afetou toda a gente, não foi só o Académico, mas afetou precisamente o Académico no registo… digamos o meu caso da minha faturação, falando da faturação, muito também pela redução de horário. Estamos a falar que no nosso espaço foi reduzido o horário nesta fase em que estamos agora – não estou a falar de início, de início teve uma paragem total – depois foi-nos permitido fazer take away o que notoriamente não era o nosso target, não era o nosso forte – bebidas – e sentimos isso na pele com a perca de muito dinheiro, mas depois de abrirmos e regularmos o período o que se vê mais é que estamos falar de que a percentagem de faturação está equivalente à percentagem de horas abertas, visto que abríamos das 11 às 3 da manhã e agora abrimos do meio-dia à meia-noite – e aqui à pouco tempo às 11 da noite. Essa redução é quase de 30 a 35% do horário, por isso faz sentido também na faturação.

PA – Vocês tiveram funcionários em layoff?

PS – Nós trabalhámos com o layoff a maior parte do tempo. Depois de voltarmos a abrir trabalhámos em layoff parcial. A maior dos trabalhadores esteve em layoff parcial. Tínhamos massa salarial para os tais 5% do horário, que reduzindo para 70 não dá. O layoff acabou em julho e felizmente continuamos a trabalhar o que permite não ter prejuízos avultados, mas basicamente o apoio da Câmara também no sentido da esplanada no meio da Praça foi fundamental e tentamos continuar a manter as normas de segurança e tudo o que achamos que seja necessário para continuarmos abertos. Agora estão a voltar uns números para mim um bocado mais altos, nesta altura de voltar às aulas o receio é bastante. Não sabemos ainda as medidas que vêm aí a partir de 15 de setembro, mas basicamente estamos a tentar seriamente manter as normas de segurança ao máximo e que também os outros espaços o pudessem fazer, porque consideramos que só assim poderemos ter alguma hipótese.

PA – Não sei se queres introduzir isso… antes, tinhas algumas críticas a fazer a alguns espaços da cidade.

PS – Eu não tenho críticas afazer aos espaços, eu tenho críticas a fazer – e acaba por não ser uma crítica porque eu não sei a quem é que hei de direcionar – eu tenho sérios problemas como cidadão e como empresário em tentar perceber porque é que se lançam leis quando depois elas não são aplicadas, ou melhor, são aplicadas por alguns e para quem não as aplica não existe legislação, porque cada um está no seu direito de tentar fazer o que acha melhor para o seu negócio, mas se existe uma lei que sai e documentação da DGS importantíssima que se tem de usar máscara no interior é para usar máscara no interior. Se se diz que é usar distanciamento de 2 metros entre cadeiras será para usar 2 metros entre cadeiras, mas aquilo que sabemos é que grande parte dos espaços cumprem essas normas mas depois estamos a falar de uns 30-40% – pelo menos nas contas na minha cabeça – que não cumprem. E esses 30-40% continuam a fazer o seu trabalho – que eu saiba, e poderei não ter esse conhecimento, podem ter sido já autuados e eu não saber –, mas eu próprio não sei, como empresário, se é a PSP, se é a DGS, se é a Câmara Municipal de Coimbra, quem é que tem a responsabilidade de fiscalizar os espaços e os horários. Se temos de fechar à meia-noite, podendo estarem as pessoas até à 1 da manhã a acabarem a sua bebida, mas que à 1 da manhã já tem de estar o espaço fechado, é notório, quando saio aqui do trabalho passo em alguns sítios que estão abertos, não é. Eles metem pessoas lá dentro a partir da 1 da manhã e essa parte eu não estou a dizer que a culpa é dos espaços que o fazem, eu só estou a perguntar porque é que nós não poderemos fazer também, ou mudam a lei ou…, o que é que acontece. Basicamente isso passa um bocado por aí, as leis são feitas mas não são cumpridas. Isso aí cabe a cada um achar que deve cumprir ou não. Agora fazer cumprir acho que é fundamental.

PA – Quais são as perspetivas que tens para o futuro, passando esta fase Covid, não sabemos bem o que é que vai acontecer até haver uma vacina, nesta fase, mas quais são as tuas perspetivas?

PS – Olha, as perspectivas é assim: eu gosto de ser sempre muito otimista, gosto de tentar perceber, tentar trabalhar sempre para o lado otimista, tanto como empresário quer como cidadão, tenho sempre muitos receios. Tenho receios por mim, tenho receios pela minha família, nós estamos aqui sempre em contato direto com o público e não é uma pessoa ou duas, são às centenas todos os dias e daí a nossa preocupação realmente com a segurança, com a higienização dos espaços, com os procedimentos e os regulamentos da DGS, o que não é fácil. Quando abri era tudo muito certinho, tudo perfeito, continuamos com isso no que depende de nós, mas a maior parte das coisas não depende de nós, não é. Temos uma esplanada a céu aberto, de repente entra-te alguém sem máscara a barafustar com toda a gente para um lado e para outro, ou a pedir esmola, ou à procura de uma mesa e todas as tuas normas e todos os teus regulamentos internos que aplicaste com o teu staff vão por água abaixo, acabam logo ali. A dependência que temos do bom senso das pessoas também, do cliente e do público em geral que circula na Praça da República. As esperanças é pensar que vamos conseguir manter os números adequados porque apesar desta desgraça, de afetar mortos e internamentos, que consigamos manter esse números baixos e conseguirmos levar a vida, que não vai ser nada fácil. Quanto mim este inverno, principalmente agora em outubro/novembro é um teste.

PA – Acabando esta fase que estamos a viver que medidas é que gostarias que fossem tomadas na noite de Coimbra para que fosse melhor? Quando chegarmos ao fim deste processo, não sabemos quando mas esperamos que seja para o próximo ano, que medidas é que gostarias que fossem tomadas? Por exemplo acabar com o bottelón ou proibir o bottelón.

PS – Eu sou sincero, quando maior transparência houver, seja em que sector da nossa sociedade, seja na política, seja na vida empresarial, em todo o lado, quando mais transparência houver mais qualidade houver melhor. Em termos internos, em termos empresariais, eu gostava que os empresários tivessem alguma qualidade nos seus bares, qualidade do produto que servem aos clientes, qualidade do serviço, qualidade na oferta que têm e na segurança que também é tão importante nesta pandemia que possam transmitir ou mesmo fornecer aos clientes. E quanto às entidades, cabe a cada um cumprir e fazer a fiscalização do que falámos – o que neste momento não é permitido e não sendo permitido tem de ser fiscalizado! Vamos só dar um exemplo: o Estado está com muito medo do que possa acontecer por causa do início das aulas. O início das aulas, por serem os estudantes, por serem jovens e a informação que lhes é chega é que é só para os velhos, entre aspas, podem não ter essa capacidade e essa realidade de perceber. Ah, vou arriscar um bocadinho, não interessa! Mas é verdade é que acontecem coisas estapafúrdias como, exemplo, em plena pandemia quando estava tudo fechado e eu passei e estava uma reunião numa casa aqui em cima, não faço ideia se é uma república ou se é uma casa de estudantes, e eles iam para uma festa de toga. Uma festa de toga e tipo Porky’s [filme norte americano de 1981], estás a perceber. Isto depende do bom senso de todos, não depende só dos espaços e das fiscalizações, acho que em termos empresariais há que ter um certo… os empresários têm que perceber que se fizerem asneira podem por em causa também o trabalho dos outros e o trabalho deles próprios e irmos todos para casa. Da parte das entidades tem de haver uma fiscalização rigorosa, não pode ser mandar as leis e depois… Ah, aquele gajo… aquilo é assim mas pronto… já lá fomos avisá-lo. Têm de ser rigorosas, no meu entender. Têm de ser rigorosas porque é o nosso bem de todos. Em termos ainda da pandemia inclusive o cliente tem de ter a noção, tem de ter um bocado mais de consciência, temos de ter mais cuidado, temos de entender muitas vezes que para quem está dele lado a trabalhar não é nada fácil. Meter máscara, trabalhar com máscara, higienizar as mãos, higienizar as superfícies e essas coisas todas… não é fácil! Exige muito mais trabalho e sem grandes condições que temos para poder contratar mais pessoas para poder fazer muitos trabalhos e às vezes pessoas com trabalho para fazer a mais, o que é complicado.

PA – Não tinha mais perguntas. Se quiseres dizer mais alguma coisa, se quiseres acrescentar alguma coisa…

PS – Fizeste uma pergunta, só para terminar, em termos de pós pandemia eu acho que só falei pós confinamento, existe uma pós pandemia se inventarem uma vacina e o que eu gostava de ver era eu poder-me divertir e realmente ter um divertimento saudável, isto é, poder extravasar as minhas loucuras e até as minhas competências, poder ultrapassá-las, mas saber que no sítio onde estou existe qualidade no produto, não existe intoxicação, que estão com a qualidade devida e, acima de tudo, haver uma maior colaboração com todas as entidades, sejam elas fiscalizadoras como os empresários, para que as coisas corram bem. Basicamente estas coisas também não aparecem do acaso e estas normas e estas leis todas aparecem porque alguém extravasa as suas competências e o que dever. Existem agora muitos casos no desespero. Às vezes o desespero e a ganância levam-nos a extravasar o que é realmente importante. E acho que o importante é haver bem-estar e qualidade de vida, que as pessoas se divirtam sobretudo.

PA – Obrigado!

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